Indígenas de Todo o Brasil Protestam Contra o Marco Temporal: "Nossas Terras São Ancestrais"
Na última terça-feira, 16 de outubro, diferentes comunidades indígenas se mobilizaram em várias partes do Brasil, clamando contra a controvérsia proposta denominada marco temporal. Essa tese jurídica, em análise na Câmara dos Deputados e no Supremo Tribunal Federal (STF), determina que os povos originários só teriam direitos sobre terras que ocupavam em 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada. O movimento, inspirado na frase “O nosso marco é ancestral”, destaca a luta contínua pela preservação de seus direitos históricos e territoriais.
Manifestações ocorreram em Brasília, em rodovias, territórios indígenas e nas redes sociais, refletindo a indignação e unidade daqueles que se opõem a essa visão limitante. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organização central na coordenação dos esforços, organizou atos em frente às sedes do Congresso Nacional e do STF. Durante as mobilizações, os representantes da Apib se reuniram com a bancada do PSOL, evidenciando a busca por suporte político contra as ameaças aos direitos indígenas.
A proposta de emenda constitucional 48/2023, que junta-se ao marco temporal, é vista pela Apib como um ataque não apenas aos povos indígenas, mas também um retrocesso para toda a sociedade brasileira. O coordenador executivo da Apib, Dinamam Tuxá, expressou a urgência da situação: “Estamos vigilantes e mobilizados para impedir que mais ataques sejam direcionados aos direitos dos povos indígenas. Os direitos territoriais são um pilar essencial para a preservação do meio ambiente e da democracia no Brasil.”
Cacique Raoni Metuktire, ícone da resistência indígena, utilizou sua influência nas redes sociais para demandar que políticos rejeitem a proposta do marco temporal. “Esse território é nosso, dos nossos ancestrais. Vamos nos unir e defender o que ainda resta”, convocou o líder, sublinhando a necessidade de união entre os povos indígenas.
A mobilização tomou corpo em Roraima, onde o Movimento Indígena local impôs bloqueios na BR-174, exigindo respeito aos direitos dos povos originários e suas tradições. Ernestina Macuxi, professora indígena, ressaltou que a implementação do marco temporal traria consequências devastadoras. “Isso resultará em violência e morte para nossos territórios. Nossos rios e a natureza já estão sendo atacados”, comentou.
Protestos semelhantes emergiram em outras regiões do país. Em Aracruz, no Espírito Santo, membros da etnia Guarani interditaram a rodovia ES-010, manifestando a insatisfação com a "agenda anti-indígena" que está sendo discutida. “Este projeto de lei é um absurdo. Todos os indígenas estão se levantando contra essa agressão à nossa vida e à natureza”, destacou Marcelo Guarani, um dos líderes do movimento.
No sul da Bahia, a anciã Maria Coruja Pataxó convocou sua comunidade a resistir às ações do Congresso. “A terra é do indígena e deve ser respeitada. Nós sabemos cuidar da floresta e somos os primeiros brasileiros”, declarou com firmeza, enfatizando a conexão ancestral com a terra.
Auricélia Arapium, do Oeste do Pará, caracterizou a proposta como a "PEC da Morte", alertando sobre as graves ameaças que seus direitos e modos de vida enfrentam. A comunicadora Édina Mig Fe Kanhgág, por sua vez, denunciou a natureza genocida das legislações que ignoram a rica memória cultural e a presença dos povos indígenas. “Nossa história não começa em 1988. Não podemos permitir que uma data banalize o nosso passado violento e a nossa luta por reconhecimento.”
O antigo debate sobre o marco temporal e a titularidade das terras indígenas ganhou novos contornos ao longo dos anos. Em setembro de 2023, o STF havia considerado o marco temporal inconstitucional, porém, o Congresso Nacional logo promulgou a Lei 14.701/2023, que reinstituiu a discussão sob nova luz. Apesar do veto parcial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Congresso derrubou essa decisão, estabelecendo um cenário tenso quanto à proteção dos direitos indígenas.
Atualmente, o STF reavalia a constitucionalidade dessa lei, enquanto os ministros iniciam nova fase de julgamento. A Apib reagiu fortemente à formação de uma comissão de conciliação para tratar do tema, alegando que é uma tentativa de negociar direitos fundamentais. De acordo com relatos recentes, o placar até o momento está 3 a 0 contra a tese do marco temporal, mas serão necessários mais votos para uma decisão conclusiva.
Simultaneamente, a semana passada viu a aprovação da PEC 48/23 no Senado, um passo adiante na tentativa de estabelecer formalmente o marco temporal na Constituição. A Câmara dos Deputados pode votar sobre a proposta em breve, levantando grandes expectativas e preocupação entre os indígenas e seus aliados.
A mobilização de vozes indígenas reflete não apenas uma luta específica por terras, mas um chamado mais amplo pela justiça social e pela proteção ambiental no Brasil. A interconexão entre os direitos territoriais indígenas e a preservação da biodiversidade foi reconhecida por muitos ativistas, que argumentam que a erosão dos direitos indígenas compromete a capacidade do Brasil de lidar com crises ambientais e se sustentar como um território ecologicamente viável.
Os eventos da última terça-feira marcam apenas um capítulo de uma narrativa histórica que continua a se desdobrar, repleta de desafios para os povos indígenas brasileiros. O chamado por reconhecimento e respeito aos direitos ancestrais ressoa fortemente, alertando todos sobre a importância crítica de sua luta por dignidade e terra.

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