Nova Interpretação do Marco Civil da Internet Ameaça Liberdade de Expressão nas Eleições de 2026
Em um movimento que pode transformar o cenário eleitoral brasileiro, a recente reinterpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet pelo Supremo Tribunal Federal (STF) promete aumentar os riscos de censura. Especialistas apontam que essa mudança pode exercer uma pressão significativa sobre a liberdade de expressão, especialmente nas redes sociais, em um momento crucial para a democracia.
A advogada Francieli Campos, reconhecida por sua expertise em Direito Eleitoral e Digital, expressou sua preocupação sobre o impacto dessa nova jurisprudência. Para ela, o Judiciário transferiu para as plataformas digitais o papel de reguladoras do que pode ser publicado. “O resultado pode ser uma censura automatizada, em conformidade com os critérios estabelecidos pelo STF”, alerta.
Francieli, que também coordena um curso de pós-graduação em Direito Eleitoral na Fundação Escola Superior do Ministério Público, vem aprofundando seus estudos sobre a interseção entre tecnologia e direitos eleitorais. Em uma entrevista à Gazeta do Povo, ela discute o cenário que se desenha para as eleições de 2026, criticando o crescente protagonismo da Justiça Eleitoral e a possibilidade de que as plataformas implementem censura automatizada.
Cenário de Censura e Ameaças à Democracia
Um estudo recente da Gazeta do Povo revelou que pelo menos 13 parlamentares sofreram bloqueios ou remoções de suas contas em redes sociais nos últimos anos, uma situação alarmante do ponto de vista do Direito Eleitoral. Tirando uma perspectiva mais ampla, Francieli observa que a legislação eleitoral brasileira é uma das mais restritivas do mundo. Diferentemente de países vizinhos e de democracias consolidadas como as da Europa e dos Estados Unidos, onde há maior liberdade na propaganda eleitoral, no Brasil detalhes mínimos, como o tamanho de adesivos, são regulamentados.
“Os eleitores frequentemente são limitados em suas expressões de preferências políticas, algo que não reflete a dinâmica democrática de outras nações”, critica. Além disso, ela ressalta que a própria Justiça Eleitoral tem restringido a atuação de candidatos, especialmente aqueles que buscam reeleição. Para Francieli, a imunidade parlamentar é essencial para o exercício pleno das funções públicas, garantindo espaço para críticas, algo que candidatos frequentemente têm dificuldade em expressar devido a temores de retaliações.
Outra preocupação é a tendência das autoridades em aplicar sanções severas logo de início, sem considerar penas gradativas. “Se um parlamentar cometesse uma infração, por que sua conta deveria ser removida em vez de apenas modificar a publicação em questão?”, questiona. Francieli argumenta que há falta de clareza em muitos casos, com os parlamentares sendo punidos sem compreender o porquê nem ter acesso ao processo que culminou na penalidade.
Restrições Não Apenas para Candidatos
O contexto das redes sociais é apenas um aspecto de uma tendência mais ampla de regulamentação restritiva no cenário eleitoral. Um exemplo notório é a proibição de deepfakes estabelecida pela Justiça Eleitoral, que impede até mesmo o uso criativo dessa tecnologia para fins publicitários. “Mesmo que a deepfake tenha uma intenção elogiosa, ela é proibida. Isso limita a capacidade de campanhas de se adaptarem às novas formas de comunicação”, enfatiza Francieli.
A reinterpretação do artigo 19 gera incertezas sobre como as eleições de 2026 serão conduzidas, mas o artigo 57-J da Lei das Eleições continua a vigorar. Embora o STF tenha se pronunciado em favor da manutenção da legislação eleitoral, as consequências práticas da nova interpretação ainda não são claras.
Expectativas para o Futuro da Justiça Eleitoral
Francieli observa que a Justiça Eleitoral não se limita apenas a julgar; possui um papel legislativo e frequentemente introduz novas resoluções que moldam o processo eleitoral. “É difícil prever como isso vai se desenrolar, já que as resoluções podem se tornar ainda mais restritivas”, diz. Com mudanças legislativas em andamento no Congresso, há uma expectativa de que novos regulamentos impactem a internet e o comportamento de candidatos durante as campanhas.
A advogada expressa preocupações sobre a forma como a interpretação atual do Marco Civil pode afetar o espaço eleitoral. “Estabelece-se uma regra em que o algoritmico passa a ser um juiz da opinião popular”, adverte. Em questão de meses, o que parece ser uma mudança na dinâmica de controle da discussão pública se torna mais real.
O Papel das Plataformas e o Futuro da Regulação
Enquanto o acórdão do STF permanece válido, as diretrizes atuais permanecem em vigor. O que poderia vir a ser uma situação de maior liberdade de expressão na internet pode ser substituído pela prudência excessiva das plataformas em resposta a possíveis penalidades legais. “O cenário é incerto, e devemos nos preparar para um ano de muitas surpresas, com algoritmos orientando a liberdade de expressão nos espaços digitais”, enfatiza Francieli.
Ela acrescenta que é essencial um diálogo com a sociedade sobre a regulamentação das plataformas. "O Marco Civil foi elaborado através de um amplo debate social, e a atualização deste regulamento é necessária. Precisamos encontrar um meio que preserve os direitos de todos os indivíduos envolvidos: o eleitor e os candidatos", argumenta. É fundamental que o Congresso, como responsável executivo e legislativo, fale sobre a questão e chegue a um consenso sobre o futuro da regulação digital.
O momento é propício. Desde a criação do ECA digital, que visa proteger os direitos de menores online, até discussões em torno do Marco Civil da Inteligência Artificial, novas leis são necessárias para adaptar-se à crescente complexidade da interação digital no contexto da sociedade atual.
Para Francieli, o estabelecimento de um diálogo pluriforme é crucial: “O processo não pode ser unilateral ou apressado, oriundo de decisões do STF. Este papel deve ser do legislador e da sociedade que requer diálogo e colaboração”.
Considerações Finais
A reinterpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet pelo STF deixa um rastro de incertezas e ansiedades a respeito da liberdade de expressão nas eleições de 2026. O excesso de regulamentação, o uso de algoritmos para controlar a opinião pública e a pressão sobre as plataformas representam desafios significativos para a democracia.
O futuro depende da capacidade de todos os envolvidos — do parlamento às plataformas, passando pela sociedade como um todo — em dialogar e regular as complexidades do espaço digital. Como enfatiza Francieli, é fundamental que qualquer abordagem future-se mais inclusiva e respeitosa dos direitos fundamentais, em vez de se precipitar em soluções que podem em última instância restringir ainda mais a voz dos cidadãos e a saúde da democracia brasileira.

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