Acordo do Mercosul com a União Europeia: Desafios e Perspectivas de Implementação
Apesar das promessas de avanço, o aguardado acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, que passou por um longo processo de negociação de 25 anos, ainda enfrenta obstáculos significativos que dificultam sua implementação. As negociações técnicas, que foram concluídas em dezembro do ano passado, culminaram em expectativas para a assinatura do tratado, prevista para o dia 20 de dezembro deste ano. Entretanto, a efetivação das medidas acordadas não será imediata.
Um dos principais desafios decorre da recente adoção de salvaguardas por parte da União Europeia, que têm um impacto direto sobre o agronegócio brasileiro e dos demais países da América do Sul. Essa postura é um reflexo das preocupações de países como a França, que expressou abertamente sua resistência em assinar um tratado que possa comprometer a segurança de seus agricultores. No último domingo, 14 de dezembro, o governo francês reafirmou essa posição, evidenciando as tensões que ainda permeiam as negociações.
Se o acordo for finalmente ratificado, as reduções tarifárias previstas levarão meses até serem implementadas. Além disso, aspectos mais amplos do tratado poderão demorar anos para serem plenamente concretizados, devido à complexidade burocrática e às exigências de ratificação pelos parlamentos de ambas as partes.
Cláudio Finkelstein, professor de Direito Internacional na PUC-SP, afirmou ter expectativas baixas em relação a impactos imediatos. "Há um ano, existia um otimismo palpável, mas os entraves que enfrentamos continuam os mesmos", observou. Ele nota que, apesar de haver novos incentivos, conflitos de interesse entre membros europeus, como França e Polônia, ainda representam um obstáculo considerável. Esses países argumentam que o agronegócio sul-americano pode impactar negativamente suas economias.
Contrapõe-se a essa resistência a influência de países como Espanha e Alemanha, que buscam um alinhamento em torno do acordo como uma resposta às políticas comerciais dos Estados Unidos e seus efeitos na economia global. “Esses países oferecem um novo equilíbrio, integrando um bloco que representa 20% do PIB mundial”, analisou Finkelstein. Mesmo assim, ele considera que não há uma força considerável que leve os envolvidos a agilizar esse processo.
Entretanto, Arno Gleisner, diretor de Comércio Exterior da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra), é mais otimista. Para ele, a recente aprovação das salvaguardas pela Comissão Europeia poderia facilitar a adesão dos agricultores europeus ao acordo. “Temos perspectivas positivas em relação à implementação. Embora existam setores que perderão com esse acordo, acreditamos que o resultado geral será favorável para as economias envolvidas”, finalizou.
Próximos Passos para a Aprovação do Acordo
A fase final das negociações, concluída no último dezembro, deixou claro que a liberação do livre comércio requer mais do que um simples aceno positivo. Para que o acordo se torne uma realidade, ele deve passar por uma série de aprovações formais.
Na próxima quinta-feira, 18 de dezembro, o Conselho Europeu avaliará o acordo. Para que este seja aprovado, é necessário o respaldo de 15 dos 27 países membros da UE, representando pelo menos 65% da sua população total. Antes disso, o Parlamento Europeu deverá votar as salvaguardas aprovadas previamente.
Se ambas as instâncias validarem o acordo, a assinatura poderá ocorrer na Cúpula do Mercosul, agendada para 20 de dezembro em Foz do Iguaçu. O Brasil, presidindo o bloco, contará com a presença da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para marcar esse momento histórico. Caso avance, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva formalizará a assinatura em nome do Mercosul.
O tom do debate tem sido otimista. Em novembro, Lula havia reconhecido a importância do acordo, alertando que muitas etapas ainda estariam por vir mesmo após a assinatura. “Pode ser o maior acordo comercial do mundo, mas teremos um longo caminho para colher os frutos”, avisou.
O Potencial do Acordo: Um Bloco de 700 Milhões de Pessoas
O impacto do acordo, se concretizado, seria monumental, reunindo cerca de 700 milhões de cidadãos e um PIB de US$ 22 trilhões. O tratado precisa englobar dois documentos: um acordo comercial provisório e um acordo de parceria unilateral, ambos fundamentais para os pesquisadores analisarem os benefícios futuros.
Atualmente, a União Europeia ocupa a posição de segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás da China. Em 2024, as trocas comerciais entre o Brasil e a UE somaram US$ 95,5 bilhões, com exportações de US$ 48,3 bilhões e importações de US$ 47,3 bilhões. Se o acordo for assinado, a parte comercial, que cobre tarifas e acessibilidade a mercados, poderá entrar em vigor provisoriamente.
Contudo, a aprovação final e o efeito pleno das regras dependerão da validação pelos parlamentos dos Estados-membros da UE e pelo Mercosul.
Divergências e Desafios na Aprovação
O processo de aprovação do acordo tem evidenciado as diversas posições dentro da União Europeia. Países mais industrializados, como Alemanha e Espanha, têm pressionado pela rápida implementação, visando acesso a mercados sul-americanos e matérias-primas. Por outro lado, nações como França e Polônia, que defendem políticas protecionistas, têm se oposto à medida por temerem a competitividade do agronegócio brasileiro.
O governo francês, historicamente influenciado por seus agricultores, resiste diante dos riscos que o acordo pode trazer para a produção local. A Polônia também compartilha dessas preocupações, temendo que a liberalização do mercado desestabilize sua agricultura.
Apesar das incertezas, as expectativas estão elevadas nos países do Mercosul. As empresas e organizações empresariais veem o acordo como uma oportunidade de diversificar parcerias comerciais e reduzir a dependência de mercados como os Estados Unidos e a China.
O Papel das Salvaguardas na Liberação do Acordo
Em resposta às resistências, a Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu aprovou um novo mecanismo de salvaguardas, que foi visto como um passo necessário para desbloquear o acordo. A decisão veio após o Conselho da União Europeia ter apoiado essa iniciativa em novembro. O mecanismo atua como um "freio de emergência", permitindo que a UE suspenda preferências tarifárias caso as importações do Mercosul prejudiquem os produtores europeus.
A medida também simplifica o processo para que o mecanismo seja ativado, reduzindo o tempo necessário para investigações e respostas às preocupações levantadas. Além disso, prevê a criação de um fundo de compensação financeira para agricultores europeus que não consigam competir com a produtividade do agronegócio sul-americano.
Gleisner acredita que a aprovação das salvaguardas representa um compromisso que facilitará a conclusão do acordo. “Embora as expectativas para o agronegócio do Mercosul sejam mais moderadas, ele ainda possui um potencial competitivo considerável”, afirmou.
Numa ironia do destino, a França continua a pressionar por um adiamento na assinatura do acordo. No entanto, o vice-presidente brasileiro, Geraldo Alckmin, declarou que qualquer atraso será temporário e que a assinatura está próxima.
Impactos das Salvaguardas nas Exportações do Brasil
Por outro lado, especialistas alertam que as salvaguardas podem limitar as oportunidades de exportação do Brasil. Finkelstein adverte que as novas regras podem tornar o acordo menos atrativo, considerando que produtos essenciais como carne, açúcar e etanol podem ser restringidos caso suas vendas aumentem significativamente na Europa.
Essa dinâmica cria incerteza para os exportadores brasileiros, que poderiam ver investimentos perderem valor se o acesso ao mercado europeu for barrado sob justificativas de desequilíbrio econômico.
Apesar de o governo brasileiro ter concordado com as condições impostas para não perder o “timing” político, as salvaguardas ilustram a vitória do protecionismo instaurado por nações como França e Polônia. O resultado, embora promissor no longo prazo, apresenta elementos que podem limitar o potencial de crescimento e inovação em certos segmentos.
Setores com Potencial de Crescimento
Apesar das dificuldades enfrentadas no agronegócio, a expectativa é de que outros setores possam se beneficiar do acordo. Gleisner salienta que tarifas reduzidas estão programadas para a entrada em vigor, abrangendo 91% dos produtos em troca entre as duas regiões.
O presidente da Cisbra destaca que áreas como tecnologias avançadas e produção de terras raras poderão ver benefícios rapidamente, em resposta aos movimentos geopolíticos que estão em curso. “Esses setores podem gerar investimentos significativos no curto prazo”, concluiu.
Ademais, Finkelstein ressalta que o Mercosul possui um forte potencial no setor energético, com Brasil podendo ser um grande exportador de petróleo, gás e outros recursos minerais. O professor também menciona o espaço para o desenvolvimento da indústria aeroespacial, além das oportunidades nas indústrias de vestuário, química e farmacêutica, que são robustas na economia europeia.
Apesar dos desafios que cercam o acordo, a perspectiva de um impacto positivo tanto para o Mercosul quanto para a União Europeia se revela promissora, na medida em que os dois blocos buscam se adaptar a um cenário global em constante mudança.

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