A Jornada de Maria das Graças: Um Exemplo de Superação e a Luta pela Alfabetização no Brasil
Jaru, Rondônia – Maria das Graças, uma mulher de 59 anos, finalmente realizou um sonho que parecia distante por décadas: aprender a ler e escrever. A história de Maria, resgatada das sombras da ignorância por uma professora aposentada, reflete não apenas sua determinação pessoal, mas também as barreiras sistêmicas que persistem em um país onde a educação ainda é um privilégio para muitos.
Maria é natural da Paraíba, nascida e criada em uma família humilde. Desde a infância, ela enfrentou uma realidade em que a educação era um bem escasso e quase inatingível. O cenário da sua infância em uma região carente e, posteriormente, a migração para Rondônia marcaram uma vida repleta de dificuldades que não apenas a privaram do conhecimento, mas também a limitaram em diversas oportunidades. Ao se mudar para Rondônia em busca de melhores condições de vida, Maria mergulhou nas responsabilidades da vida adulta, começando a trabalhar muito cedo, casando e criando filhos, enquanto o desejo de estudar se tornava cada vez mais um sonho distante.
"Eu cresci sem estudar. Quando cheguei em Rondônia, comecei a trabalhar, casei, tive filhos e também não tive oportunidade de estudar", relata Maria, ao recordar suas dificuldades.
O Encontro Transformador
Embora a trajetória de Maria estivesse repleta de desafios, uma reviravolta ocorreu durante um curso de corte e costura. Foi nesse espaço que Maria conheceu Sandra, uma professora aposentada que, ao perceber as barreiras enfrentadas pela colega, decidiu intervir. No curso, Maria encontrou dificuldade em acompanhar as aulas devido à falta de habilidades básicas de leitura e escrita, essenciais para decifrar medidas e instruções no artesanato que estava aprendendo.
"Ela mesmo contou que não conseguia acompanhar porque precisava ler palavras como ‘cava’, ‘gola’, ‘manga’, e não sabia nenhuma letra. Falei para ela: ‘Vamos ficar juntas. Você vai conseguir’. E todos os dias eu dava força para ela ir ao curso”, explica Sandra, lembrando da determinação que observou em Maria.
Inicialmente, Maria duvidava de sua capacidade de aprender, o que era compreensível, considerando que passou a vida sem acesso à educação formal. Seus medos e inseguranças foram companheiros constantes, formando um obstáculo mental que parecia intransponível. No entanto, a persistência e o apoio incondicional de Sandra foram fundamentais para alterar essa trajetória.
"No começo eu nem botei muita fé, porque eu nem conhecia ela", admite Maria. Com o tempo, o incentivo de Sandra se tornou uma luz no fim do túnel. “Eu fui aprendendo. Hoje já sei ler, já sei escrever e não estou mais no alfabeto. Sou muito grata a Deus e a ela”, confessa, visivelmente emocionada.
O Impacto da Alfabetização
Após apenas três meses de estudo, Maria consegue ler placas, interpretar mensagens e até assinar seus próprios documentos—ações que para muitos podem parecer simples, mas para ela são marcos significativos e transformadores. “Sempre foi o meu sonho. Porque uma pessoa que não sabe ler nem escrever sofre muito. Hoje em dia, tudo é tecnologia, celular, mensagens… e eu não sabia mexer em nada”, reflete Maria, aliviada e agradecida pela nova fase de sua vida.
A história de Maria é uma fonte de inspiração que destaca não apenas a sua superação pessoal, mas também um quadro alarmante da realidade educacional brasileira. De acordo com o Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF), cerca de 29% da população entre 15 e 64 anos é considerada analfabeta funcional. Isso indica que a ausência de educação básica é um fator limitante para muitos, dificultando não apenas o acesso a direitos básicos, mas impactando desafios mais profundos, como conseguir emprego e utilizar tecnologias.
Um Olhar sobre a Educação no Brasil
A doutora em Educação, Raquel Volpato Serbino, reconhece que, embora existam histórias inspiradoras como a de Maria e Sandra, o Brasil ainda enfrenta um panorama desafiador, onde a educação básica não é garantida a todos. “Ainda temos cerca de 11 milhões de pessoas que não sabem ler e escrever, um número equivalente a cinco vezes a população de Rondônia”, observa Raquel, enfatizando a necessidade urgente de uma ação coletiva para resolver a questão educacional no país.
A Constituição brasileira estabelece que é dever do Estado e das famílias garantir educação básica a todos até os 18 anos. Entretanto, a realidade se distorce, e a alfabetização no Brasil avançou de forma lenta e muitas vezes desigual. A primeira Lei de Diretrizes e Bases foi promulgada apenas em 1961, quando dois terços das crianças de 7 a 11 anos estavam fora da escola. Apesar de nos anos 2000 ter havido uma melhoria considerável no acesso escolar, com quase 99% das crianças em idade escolar matriculadas, Raquel destaca que muitos ainda ficam para trás.
“Hoje, apenas 56% dos alunos chegam ao fim do 2º ano do ensino fundamental alfabetizados. São muitos filhos de analfabetos, netos de analfabetos, que vivem em um ambiente sem cultura, e isso pode interferir muito”, enfatiza. A educadora considera que essa condição se configura como um crime social, o que agrava ainda mais a luta pela educação no Brasil.
A Responsabilidade Coletiva pela Alfabetização
Com esses desafios em mente, Raquel conclui que a história de Maria é um poderoso lembrete do potencial transformador da educação. “Alfabetizar é uma responsabilidade coletiva—do Estado, da escola, da comunidade e das famílias”, afirma. Para ela, a alfabetização deve ser uma prioridade emergente no contexto educacional brasileiro. “Se continuarmos a não alfabetizar, não teremos profissionais qualificados, sejam médicos, engenheiros, advogados ou arquitetos”, alerta.
Assim, na jornada de Maria das Graças, encontramos não apenas uma história de superação pessoal, mas também um chamado à ação para a sociedade como um todo. As dificuldades enfrentadas por milhões de brasileiros que carecem de educação básica exigem uma resposta decisiva e eficaz. O exemplo de Maria e o apoio de Sandra revelam que, mesmo em meio a uma realidade desafiadora, a determinação, a solidariedade e a busca pela educação são os caminhos que podem transformar vidas e comunidades inteiras.
A trajetória de Maria não é apenas uma vitória pessoal: é um sinal claro de que, mesmo em um contexto repleto de desafios, os sonhos são viáveis e as mudanças são possíveis, quando se encontra o apoio certo e se tem a vontade de perseverar. A luta pela alfabetização, portanto, se torna não apenas uma meta individual, mas uma busca coletiva por justiça social e igualdade de oportunidades.

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